Quando era criança, me lembro de assistir o desenho dos Jatsons e imaginar como seria viver num mundo do futuro, onde computadores fizessem parte da nossa vida e o virtual se misturasse com o real.
Pois bem, hoje posso dizer que vivo neste mundo que sonhei, no entanto, sinto saudades do meu tempo de criança.
Há poucos anos atrás, a única senha que tinha de guardar era a senha do meu cartão de banco. Hoje tenho além dela, a senha da internet, senha eletrônica e a palavra chave. Tem senha para ligar computador, acessar e-mails, sites e bancos. De tantas senhas para guardar, instalei um programa para gerenciá-las. Só que esqueci a senha das senhas e na quinta tentativa de relembrar a senha vi meu programa de senhas se autodestruir.
Quando criei minha primeira conta de e-mail me senti importante, afinal era status ter o e-mail no cartão de visita. Hoje tenho tantos e-mails diferentes que nem sei dizer quantos. Aliás, essas contas de e-mails me trouxeram duas centenas de e-mails por dia, isso porque a metade pára no meu programa anti-spam. Por isso passo mais parte lendo e respondendo e-mails do que fazendo o que de fato é importante no meu trabalho.
Lembro-me que do meu nascimento até meus dez anos, minha vida se resumiu a dois álbuns com vinte fotos cada um. Já meus filhos estão com três anos e já possuem setecentas fotos, todas digitais. Estimo que até o casamento deles tenha trinta mil fotos digitais. Isso me trouxe outro problema, como organizar e proteger todas as minhas fotos? Tive uma idéia, parte delas pode ser arquivada na internet e depois de uma semana mandando fotos para o site terminei a tarefa. Só esqueci-me de um detalhe, guardar o login e senha. Estão lá me esperando que eu lembre o login correto. Isso porque tinha criado uma frase chave, mas esqueci a resposta da frase.
É incrível como a comunicação mudou a forma como se relacionamos com as pessoas. Depois de onze anos de casado, ainda tenho algumas cartas e bilhetes recebidas da minha esposa. É claro que a última deve fazer uns cinco anos, hoje não escrevemos mais com papel e caneta, afinal somos um casal moderno. Agora, conversamos e até brigamos pelo msn ou skype. A vantagem é que posso discutir a relação enquanto converso com um cliente ou colega de trabalho.
Há dez anos meu sonho de consumo era um telefone sem fio com secretária. Hoje tenho um celular que tem um pouco de câmera fotográfica, de computador, de tocador mp3 e também é celular. Aliás, a cada dois minutos em média o celular recebe um e-mail novo. Um dia cheguei à conclusão que me tornei escravo do meu blackberry.
Meu televisor há dez anos sintonizava dez canais de TV. Hoje são mais de 150. De tantos canais que tenho para assistir, já estou estressado porque como não consigo ver mais de um programa por vez, fico passando de canal em canal, e acabo tendo uma visão geral do todo sem assistir nada.
Lembro-me bem do meu primeiro carro, era um Chevette 74 e tinha vinte anos de uso, a porta abria sozinha nas curvas, o assoalho era furado e o motor estava prestes a fundir. Hoje posso dirigir com um veículo que tem todos os confortos da vida moderna e um motor que dá gosto de andar, mas ando em média mais devagar que antes. Outro dia fui ao shopping de carro e de tanto trânsito que tinha fiquei uma hora com o carro parado sem conseguir entrar nem sair do estacionamento do shopping. Como posso suportar isso?
Disseram-me que para passar o estresse tinha de ir para um lugar quieto e distante, longe de tudo e todos. Assim, outro dia fui para uma pousada no meio do nada para relaxar. Depois de três dias estava tão estressado porque não conseguia ver meus e-mails que não agüentava mais ficar lá. Para completar, eu não podia nem falar para minha família, pois corria o risco de ser internado como louco. Foi aí que tive a idéia de assumir as compras da casa. Duas vezes por dia eu ia a cidade comprar as coisas da casa e passar no ciber-café para ver os e-mails. Quando demorava a voltar com o pão já dizia que a fila tava grande demais.
Pois bem, é por essas e outras que uma pergunta não sai da minha mente: Será que vou enlouquecer? Não sei. Só peço que se me internarem, por favor, me deixe ver meus e-mails!