Marketing Aplicado para Médicos:
o que é preciso saber sobre a publicidade médica?
Em matéria publicada pelo jornal The New York Times, em julho de 2008, o jornalista Abby Ellin trouxe à tona duas histórias:
– Uma delas relata a saga de Cynthia Goodstein para descobrir como poderia pagar por uma plástica de rosto. “Durante uma consulta com o Dr. Payman Simoni, um cirurgião plástico de Beverly Hills, ele perguntou se ela estaria disposta a fazer um vídeo que a mostraria antes e depois do procedimento, e divulgá-lo no YouTube. ‘Eu provavelmente perguntei se isso me valeria um desconto, e ele me oferece um bom negócio’, conta Goodstein, que pagou US$ 3,8 mil em lugar dos US$ 12 mil que Simoni normalmente cobra”, conta o jornal;
– A outra história, tão fantástica quanto a primeira, relata que em setembro de 2007, “Michelle Wilder saiu do consultório do Dr. Emil Chynn, na Park Avenue Laser, em Nova York, armada do pacote normal de suprimentos pós-operatórios: colírio, óculos de sol e um par de lentes de contato especialmente preparadas. E, melhor não esquecer, um DVD com imagens de sua cirurgia Lasek (não é Lasik), para que ela pudesse revisitar em casa as alegrias da raspagem de seus globos oculares pelo cirurgião. Mas o prazer visual da paciente não era a única preocupação de Chynn. A esperança dele era que ela curtisse tanto o espetáculo que decidisse postar o vídeo de 10 minutos no YouTube, acompanhado pelas credenciais do oftalmologista, um link para o seu site e uma crítica muito positiva de seu trabalho. Como incentivo, Chynn oferece à paciente ou uma injeção de botox no valor de US$ 400 ou um desconto de US$ 100 no custo da cirurgia”, revela a reportagem.
Médicos – e pacientes – americanos aderiram com vigor à mania de postar vídeos na Internet. Se você digitar a palavra “Botox” no YouTube, encontrará cerca de 2,4 mil vídeos como retorno. “Implante de seios” traz mais de dois mil resultados, e “Lasik” outros dois mil…
Os estudiosos americanos da ética médica não concordam com práticas como estas. E os defensores dos direitos dos consumidores dizem que descontos e pagamentos podem pôr fim às resenhas independentes sobre a qualidade do tratamento médico.
Agradecer aos pacientes por elogios usando descontos financeiros ou ofertas de aplicações gratuitas de Botox é legal nos Estados Unidos, mas grupos como a Sociedade Americana dos Cirurgiões Plásticos, que congrega 5,8 mil cirurgiões plásticos licenciados, estão debatendo a ética de fazê-lo, especialmente se o público não estiver sendo informado de que remuneração de alguma espécie foi paga pelo depoimento. A Academia Americana de Oftalmologia, que congrega os oftalmologistas dos Estados Unidos, também alerta que remuneração financeira aos pacientes que fazem depoimentos favoráveis é uma prática reprovável, e dispõe que os oftalmologistas associados revelem esse tipo de prática caso recorram a ela.
Por um marketing ético
“São muitos os desafios enfrentados pelos 341 mil médicos inscritos nos Conselhos de Medicina, hoje. Seja nos consultórios, nas universidades, nos hospitais, nos serviços públicos ou no setor privado, a atuação de intermediários no trabalho médico; a mercantilização da profissão; a transformação do exercício liberal da Medicina; as deficiências no ensino médico; a abertura desenfreada de novos cursos de Medicina; a concentração de profissionais nos grandes centros; as dificuldades do Sistema Único de Saúde e as falhas na regulamentação dos planos privados de saúde são fatores que compõem um complexo cenário que repercute não só na oferta de empregos, mas também nas condições dignas de trabalho e remuneração destes profissionais”, afirma Heloísa Borges, coordenadora do Curso Marketing Aplicado para Médicos: o que você precisa saber e fazer com o marketing, ministrado no ICS, Instituto de Ciências em Saúde, em São Paulo.
O caráter tradicionalmente liberal do exercício da Medicina tem sido alterado significativamente nos últimos tempos no Brasil. As coisas não são mais como antigamente, quando o caminho para o sucesso profissional já estava traçado: bastava finalizar o curso de Medicina e abrir o consultório. Afinal, o médico era um dos atores sociais de maior relevância em quase todas as sociedades, onde os conhecimentos científicos eram restritos a determinados grupos.
Agora, além de Medicina, é preciso entender que a economia é globalizada, que o consumidor é muito mais exigente, que o atendimento da necessidade individual é a regra, uma vez que os avanços tecnológicos transformaram o paciente num consumidor poderoso… “Este novo cenário faz com que o médico tenha que rever sua competência técnica – antes único quesito de trabalho e reconhecimento. Agora, é impossível dissociar competência técnica da habilidade de relacionamento, do poder de negociação, da adequação de seu ambiente físico para um cenário mais acolhedor e impecável, do estudo da concorrência e da capacidade de planejar sua participação neste novo mercado de saúde. As mudanças no plano macro econômico alteraram as relações dentro dos consultórios e clínicas. É preciso fazer com que o paciente perceba que o médico está comprometido com a sua qualidade de vida, com a sua saúde, e, em última instância, com o seu sucesso”, destaca Heloísa Borges.
Neste contexto, o marketing assume relevância cada vez maior na promoção da saúde. Os veículos de comunicação tradicionais de massa, os canais de relacionamento segmentados e as novas redes sociais têm papel fundamental na informação da população sobre cuidados, prevenção de certas enfermidades e problemas de saúde. Mas é o médico quem tem a competência técnica para abordar estes temas, portanto, deve conhecer bem o seu Código de Ética profissional, que tanto fiscaliza, como penaliza os que abusam deste ‘direito’ de informar.
“A assessoria de marketing feita para um profissional da saúde, para uma clínica ou para um hospital é diferente da assessoria prestada a um produto. A abordagem de temas científicos requer cuidados com o conteúdo que será transmitido. A população não tem conhecimento suficiente para avaliar a veracidade das informações veiculadas pelos profissionais de saúde. Por isso, a divulgação médica, além de estar sujeita a toda regulamentação própria da classe, também deve ser legal e estar de acordo com o Código de Defesa do Consumidor – no caso, o paciente – que proíbe o médico de fazer publicidade perigosa à saúde”, ressalta a coordenadora do Curso Marketing Aplicado para Médicos: o que você precisa saber e fazer com o marketing.
A publicidade médica sempre fez parte das relações de saúde, partindo muitas vezes do próprio Estado, mas tem que estar limitada em prol do interesse público. O que seria da Medicina atual se não fossem as intensas campanhas de vacinação do início do século passado, no Estado do Rio de Janeiro? Ou quem não se recorda do famoso personagem de Monteiro Lobato nos anos 50, o “Jeca Tatu”, como propaganda dos “Laboratórios Fontoura”?
“O que é primordial saber é que a publicidade médica tem características próprias: é ética; é fruto da medicina baseada em evidências; prioriza a relação médico-paciente; não interfere na autonomia do paciente de decidir o que lhe parece mais conveniente; possui um caráter de utilidade pública; honra o juramento de Hipócrates ao estabelecer uma relação de finalidade entre o exercício da Medicina e os valores consagrados pela ordem jurídica e seus fundamentos morais, como a vida e a integridade das pessoas. Procuramos refletir juntamente com os alunos dos nossos cursos a melhor maneira de colocar o marketing a serviço da Medicina”, diz Heloísa Borges.